O Paço Imperial e a transição do império para a república
Vamos fazer uma viagem no tempo, para o ano de 1891, em que a cidade do Rio de Janeiro é a orgulhosa capital do país, que está a caminho de celebrar o terceiro ano de sua recém proclamada república. Estamos em frente ao Paço Imperial. Este prédio foi construído para ser a residência dos governadores e dos Vice Reis, no séc. dezoito. A partir de 1808, abrigou a família real portuguesa e passou a ser chamado de Paço Real. Logo após a Independência, passou a se chamar Paço Imperial e foi palco de grandes momentos da história da nova nação Brasileira, tais como, o dia do fico e a abolição da escravatura.
Com a proclamação da república, a importância desse prédio histórico começou a ser deixada de lado, pois os novos governantes tinham a intenção de apagar todos os vestígios da história imperial da mente e do coração das pessoas, visto que a população ainda estava dividida entre a lembrança de D. Pedro II e da família imperial, e a lealdade à república recém empossada.
Apesar de todas as críticas que havia contra o Imperador, a proclamação da república não foi um evento levado adiante nem patrocinado pelas camadas populares. Ela tomou forma a partir das insatisfações dos militares e proprietários de terra desiludidos com a abolição da escravatura.
A proclamação da república se tornou realidade na calada da noite, como um golpe de estado, que surpreendeu ao imperador, à sua família e a população, que dormiu sob o comando do Imperador D. Pedro II e acordou tendo como o seu primeiro presidente, o Marechal Deodoro da Fonseca, cujas más línguas afirmavam ser monarquista.
Após o dia 15 de novembro de 1889, as propriedades imperiais foram leiloadas e o Paço Imperial foi transformado na sede dos Correios e sofreu diversas reformas que alteraram as suas características originais.
A cidade do Rio de Janeiro adquiriu importância internacional, quando foi elevada à condição de Reino Unido ao de Portugal e Algarves, após a chegada da Família real portuguesa. Mas essa importância não veio acompanhada por infraestrutura de saneamento básico adequada para garantir boas condições de vida à população.
Localizado no coração do Largo do Paço, que outrora fora conhecido como Largo da Polé, Várzea de Nossa do Ó, e futuramente seria chamada de Praça XV, o Paço Imperial vivia intensamente os desafios de uma capital que abrigava em seus limites as culturas dos povos indígenas brasileiros, dos africanos escravizados, do colonizador português, dos ingleses, franceses e outros povos europeus. Esse cosmopolitismo, desprovido de infraestrutura, cobrou o seu preço ao longo dos anos.
A cidade era suja, entre outras razões, porque as pessoas jogavam os detritos de suas casas na rua, e o esgoto nos rios e lagoas. Desta forma, as epidemias tornavam o Rio de Janeiro uma cidade muito perigosa para a saúde. Febre amarela, varíola, malária, sarampo, tifo, cólera, entre outras patologias, se alternavam como epidemias que grassavam a cidade e ceifavam vidas de crianças, jovens, adultos e idosos de todas as classes sociais.
O artigo "Mortalidade e Morbidade na Cidade do Rio de Janeiro Imperial", fala da má fama que a cidade do Rio de Janeiro desfrutava diante da comunidade internacional:
"Entre os diplomatas da carreira da Europa do século passado diz-se que o pior castigo era sua designação para servir na cidade do Rio de Janeiro. Compreende-se o horror que a cidade lhes causava, onde apesar das belezas naturais inegáveis, o estrangeiro deveria se defrontar com um quadro sanitário e de saúde pública tenebroso." (MARCÍLIO 1993 p. 53)
A chegada da família real portuguesa fez com que as autoridades tomassem providências para melhorar as condições de higiene da cidade, para que ela estivesse à altura de receber pessoas tão importantes de tantos lugares do mundo. Lagos e pântanos foram aterrados, rios foram canalizados e até cemitérios públicos foram construídos com o objetivo de colocar fim ao costume de se velar e sepultar corpos nas igrejas.
O visitante que contempla a situação na qual o Paço imperial se encontra neste ano de 1891, e vê o povo apático, sem aderir com entusiasmo ao novo regime, poderá pensar que os seus dias de glória e importância chegaram ao fim, e que o seu destino final será mesmo o de receber e enviar correspondências e encomendas de todo o Brasil e do mundo, como a sede dos Correios.
Essa onda de apagamento da memória do Império terminará a partir do governo de Getúlio Vargas, que decretou o tombamento do Paço Imperial. Mas somente a partir de 1982, é que o IPHAN, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, iniciou os trabalhos de reforma, para retomar o estilo que ele possuía em 1818.
Com o passar do tempo, 129 anos depois, o Paço Imperial será um importante centro cultural, que vai contar a história desse período tão importante, que forjou a nossa identidade como povo.
Marcos Vichi
Assista ao vídeo sobre este assunto, que foi publicado no Youtube, no canal "Prof. Marcos Vichi"
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Referências
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MARCÍLIO, Maria Luíza. Mortalidade e Morbidade na Cidade do Rio de Janeiro Imperial Revista História, Sâo Paulo, n-127-128, p. 53-68, agc-dez/92 a jan-jul/93. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/viewFile/18689/20752 Acesso em: 06 MAI 20
PIMENTA, Tânia Salgado. BARBOSA, Keith. KODAMA, Kaori. A província do Rio de Janeiro em tempos de epidemia. Revista Dimensões, vol. 34, 2015, p. 145-183. ISSN: 2179-8869 UFES - Programa de Pós-Graduação em História.
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